sábado, 7 de novembro de 2009

O Despertar da Primavera







“Embora nada possa trazer de volta a hora
Do esplendor na relva, da glória na flor
Nós não vamos lamentar, preferimos encontrar
Forças no que ficou para trás”

William Wordsworth, “Ode: Intimations of Immortality From Recollections of Early Childhood”


O trecho acima ilustra bem o ideário de nostalgia acerca da juventude. Todos gostariam de ter de volta as emoções do primeiro amor, do despertar do corpo e da sexualidade, o entregar à vida que escorre sem pressa e compromissos, a urgência pelo mundo. Já foi dito até que é um desperdício que a juventude seja dada aos jovens, que não sabem aproveitá-la. Decerto, isso confere mais poesia à juventude. Mas, e quando o fluxo natural é interrompido, sufocado, vilipendiado?

“O Despertar da Primavera”, de Duncan Sheik e Steven Sater, versão musical da obra de Frank Wedekind, vencedora de oito Tonys em 2006 na Broadway e que estréia versão brasileira dirigida por Charles Möeller e Claudio Botelho, canta os desdobramentos da juventude violada. E canta em alto e bom som, com afinação precisa, mostrando que musicais não são meros espetáculos escapistas, que podem sim tratar de temas densos e que muito mudou desde a época de “Escola de Sereias”.

Recentemente, o filme “The White Ribbon”, de Michael Haneke, propõe uma visão de como a dureza e rigor na criação de crianças alemãs teria sido preponderante para o desenvolvimento do nazismo. Num simples paralelo, se pensarmos que o texto de Wedekind é de 1891, mais assombrosa é sua ousadia e atualidade.

A adaptação para o formato musical poderia ter comprometido a qualidade e intensidade dos diálogos. Mas o talento de Sheik e Sater/ Möeller e Botelho dribla isso com maestria, com canções pungentes e que cantam a narrativa e atingem o espectador como muitos textos não conseguem.

A montagem é de altíssimo nível, como não poderia deixar de ser em se tratando da dupla de diretores. A cenografia de Rogério Falcão é muito inteligente e bem resolvida, usando estruturas de ferro que, além de permitir o fácil deslocamento do elenco no palco, sugere aprisionamento, retenção, como se os jovens fossem “pássaros presos na gaiola” no universo hipócrita e castrador em que vivem. A iluminação de Paulo César Medeiros é excelente e em alguns momentos chega a ser sublime, traduzindo com sensibilidade a alternância entre o universo de luzes e sombras que os jovens vivem em seu interior. Os figurinos de Marcelo Pies, o som de Marcelo Claret, a coreografia de Alonso Barros, a preparação vocal de Ester Elias, a coordenação artística de Tina Salles e a direção musical de Marcelo Castro formam o conjunto que torna este espetáculo tão forte e único.

A direção de Charles Möeller e a supervisão musical de Cláudio Botelho são excepcionais e atestam o merecimento da posição única que ocupam no panorama artístico brasileiro. O trabalho dessa dupla é de nível internacional, seu altíssimo padrão de qualidade é visível em cada cena do espetáculo e como dito por Möeller, seu trabalho vai muito além de mera cópia do original.

O elenco é fantástico e isso é surpreendente se considerarmos que é formado por atores novatos, com pouca experiência. Quem pensar que trata-se de um cast bonitinho mas nulo, vai se surpreender e muito com a força do grupo em ação. Todos estão ótimos, não há nenhum elemento destoante. Provavelmente esse êxito vem da noção de conjunto, de grupo, que percebe-se na encenação. Por exemplo, os veteranos Débora Olivieri e Carlos Gregório, que se alternam nos vários papéis adultos, trocam de igual para igual com os novatos. Olivieri está impagável como a professora de piano fazendo ótimo duo com André Loddi e tem seu melhor momento como a mãe de Melchior sendo confidente de Moritz. Gregório tem grande momento na silenciosa cena do funeral do filho. Naturalmente, entre os jovens, embora o nível seja ótimo, há diversidade, seja por características próprias ou pelo peso dos personagens. Alice Motta, Danilo Timm, Davi Guilhermme, Eline Porto, Estrela Blanco, Julia Bernat, Lua Blanco, Mariah Viamonte, Pedro Sol, Thiago Marinho oferecem belo trabalho. Bruno Sigrist tem voz muito agradável e Laura Lobo arrasa em seu solo como a menina vítima de abuso. Dois exemplos de atores com forte presença em cena que mereciam mais destaque. Assim como André Loddi, que com seu Georg é carisma puro e tem ótimo timming para a comédia, além de ser a melhor voz masculina do elenco. Felipe de Carolis está na limite do caricato, mas o fato de seu personagem ter treze anos de idade redimensiona o fato e sua performance. Informação que podia estar presente no texto, para situar o espectador. Thiago Amaral tem olhar que traga o espectador, é intenso. Seu Hanschen é um belo contraponto ao grupo de estudantes, pois não confronta e nem sucumbe, mas tira proveito das circunstâncias com o que possui. O outro contraponto é a Ilse de Letícia Colin, que se rebela em um exílio libertário. Colin está em estado de graça, esbanja carisma, sensualidade e vida e impõe sua presença de tal forma que só podemos lamentar que não esteja em cena o tempo todo. Pierre Baitelli compõe seu Melchior com vigor e energia e traduz bem toda a estupefação de sentir na própria pele o quanto o mundo pode ser sórdido. Malu Rodrigues como Wendla é simplesmente apaixonante. A caçula do elenco leva com maestria o peso de protagonista. As reviravoltas de sua frágil e ingênua personagem não devem ter sido fáceis, mas Rodrigues se desincumbe de cada uma com leveza e graça. Além de segura como atriz, Malu tem uma voz belíssima, o que só realça mais sua luminosidade. Apaixonante. Simples assim.

E temos Rodrigo Pandolfo e seu Moritz. Num espetáculo superlativo, de muitos elementos superlativos, Pandolfo é seu brilho maior. Sua performance é extraordinária, arrasadora, daquelas que definem horizontes. Sua composição é meticulosa, brilhante, crível e comovente: o tom de voz, o ar de desvario sufocado, o olhar perdido, a expressão corporal meio robótica, os pés contraídos para dentro, detalhes mínimos que fazem-se imprescindíveis para um ator do primeiro time. É um prazer e um presente vê-lo em cena, um ator que dignifica o sagrado ofício da interpretação. Tudo o que podemos esperar é que Pandolfo saiba dirigir muito bem sua carreira, pois um ator desse nível não surge toda hora. Bravo! Bravo! Bravo!

“O Despertar da Primavera” é um espetáculo de primeiríssimo nível, que entretém, emociona e faz refletir. Uma montagem para entrar para a História.



O DESPERTAR DA PRIMAVERA

Música de Ducan Sheik
Texto e Letras de Steven Sater
Baseado na obra de Frank Wedekind

DIREÇÃO
Charles Möeller

VERSÃO BRASILEIRA / SUPERVISÃO MUSICAL
Claudio Botelho

DIREÇÃO MUSICAL
Marcelo Castro

COREOGRAFIA
Alonso Barros

CENÁRIO
Rogério Falcão

FIGURINOS
Marcelo Pies

VISAGISMO
Beto Carramanhos

DESIGN DE LUZ
Paulo César Medeiros

DESIGN DE SOM
Marcelo Claret

COORDENAÇÃO ARTÍSTICA
Tina Salles

ELENCO
Malu Rodrigues
Letícia Colin
Pierre Baitelli
Rodrigo Pandolfo
Thiago Amaral

apresentando
Débora Olivieri e Carlos Gregório

com:
Alice Motta
André Loddi
Bruno Sigrist
Danilo Timm
Davi Guilhermme
Eline Porto
Estrela Blanco
Felipe de Carolis
Julia Bernat
Laura Lobo
Lua Blanco
Mariah Viamonte
Pedro Sol
Thiago Marinho

PRODUTOR EXECUTIVO
Luiz Calainho

DIREÇÃO DE PRODUÇÃO
Aniela Jordan
Beatriz Secchin Braga
Monica Athayde Lopes

UM ESPETÁCULO DE
Charles Möeller & Claudio Botelho

sábado, 10 de outubro de 2009

Com Quantas Lágrimas Se Faz um Amor?




O vento gélido sopra e eu olho para um belo céu cinzento
E isso desperta a flama que ainda há em mim
Eu caminho em frente, tropeçando em meus passos inseguros
Titubeantes, como a interrupção de nosso amor.

Em cada gesto, cada lugar, cada aroma
Sinto as lembranças me invadindo inteiramente
Eu suspiro e me entrego, irrelutavelmente
Envolvido por essas lembranças que me dão a certeza de que ainda há algo para lutar por
Para viver por.

À medida que o entardecer cobre a cidade
As memórias se intensificam
Navego no azul da nostalgia
E instantaneamente sinto-me transportado
Para a Era da Sensibilidade
Onde éramos invencíveis
Inalcançáveis, inatingíveis
E não sabíamos não capazes
De sustentar nosso amor.

Os seus olhos azuis refletem os meus olhos castanhos
E toda a imensidão se faz luminosidade
Toco sua pele alva, pálida e trêmula
E tremo
Como um estudante recebendo suas notas
Como uma nave em direção à lua
Como as folhas das árvores congeladas no inverno
Como vozes emudecidas transbordando emoção
Como um homem diante da mulher que retém todo seu amor.

Se amávamos tanto, como não pudemos manter nosso amor
Se éramos tão frágeis como pudemos amar tão intensamente
Talvez seja essa a sublimidade do amor
Os frágeis também o podem viver
Mas quão destroçados ficam quando ele chega ao fim
Seria amar simples antítese?
Com quantas lágrimas se faz um amor?
Com quantas forem necessárias
e com todas as que você tiver para chorar.


De repente, inesperadamente, sem ensaio, nos reencontramos
Os instantes de silêncio inevitável nos sustentavam no ar
Como se flutuássemos amparados por tudo que ficou para trás
Nossos olhos ainda brilhavam...
Possivelmente ainda havia tempo.

Em um pranto convulsivo
Nos reencontramos, nos redescobrimos
Nossos lábios se perdem, se fundindo com ímpeto e alívio
Você seca minhas lágrimas, eu seco suas lágrimas
Damos as mãos, testemunhados pela neve que derrama-se em ternura
Neva, como sempre
Seguimos em frente
Indissolúveis
Daqui para a eternidade.

sábado, 12 de setembro de 2009

Cola tua boca na minha e sorve o meu ar




Cola tua boca na minha

E sorve o meu ar


Cala minhas palavras

desenrola a minha língua

pra não me deixar falar


Corta meus apelos

Não me deixa te explicar


Assume o comando

num ataque faminto

faz meu queixo estalar


Morde meus lábios

Ensaia me devorar


Pega firme em mim

aniquila meus temores

enquanto me faz salivar


Esquenta meu corpo

Me leva a suar


Faz as gotas brotarem

dos nossos corpos em ânsia

em febre a delirar


Abre de uma vez

Deixa eu entrar


E misturados de fato

em pulsares frenéticos

esperemos o desabar


Até o jorrar...

Até o arfar...

Até abundar...


E o recomeçar...


Cola tua boca na minha

E sorve o meu ar.


quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Identidade Sonora


Estrondos, pancadas, berros... Propagam-se pelo ar sons familiares e desconhecidos, como fragmentos de uma voz surda que ainda ousa se fazer perceber. Debate-se, espalha-se, impõe-se convulsamente para continuar a existir; se, por qualquer motivo circunstancial e menor, todos em volta ignorassem sua presença, seus registros não permitiriam isso.

Quando criança, em seu habitat natural, os sons eram mansos e audíveis, corriam sem pressa... Cada um, seu pai, sua mãe, seus três irmãos e cinco irmãs, até sua vó e o Tonho tinham seus sons próprios. O jeito de cada um arrastar o pé, chamar a vaca na hora de ordenhar, contar as estrelas no céu, tudo isso era a marca de cada um. Olhavam as estrelas e parece que ouviam elas entoarem uma canção de ninar. Era como se a paz nunca tivesse deixado de existir.

Ao chegar na cidade grande, logo percebeu a diferença. Estava fascinada... era tudo tão pleno de movimento, luz e velocidade. Estava no mundo de verdade, de gente importante, de gente que importava. Mas, em pouco tempo começou a ficar confusa. Gritos, buzinas, apitos, britadeiras, rádios, alto-falantes, latidos, freadas, sirenes, ambulantes, gargalhadas e urros a deixaram tonta... e sentiu sua cabeça girar... girar... e sentiu um barulho que já sentira antes, só que dessa vez muito mais forte... e viu que esse barulho vinha de dentro dela mesma, de sua barriga vazia.

Vertigem! Solidão! Pavor! E assim permaneceu...
cansada faminta tonta perdida imunda exausta desgarrada fedida pequena suada rota jogada errante febril amassada muda....................................NÃO................_____------_____--------
-------..................NÃO____________--------.....................NÃO--------------__________........

E reconheceu para si mesma que não era nada mesmo nessa vida. E imaginou para si mesma que não fazia nenhuma diferença para onde fosse ou deixasse de ir. E disse para si mesma que era apenas mais uma. E pensou para si mesma que não faria diferença mesmo...

Então, lembrou de sua vida de menina de dezenove anos pela última vez. E de todos os sons que guardou em sua memória desde então. De quando veio do sertão, num caminhão de laranja, noites estrada afora, ouvindo o sopro do vento quente e empoeirado que quase a sufocava. Das garotas que viu no mato ralo da beira da estrada com os caminhoneiros, berrando de modo tão estranho que nem sabia se de prazer ou horror. Do barulho da enxada que batia na terra seca e estéril da sua terra. Do som da chuva que quase nunca vinha, mas quando decidia aparecer levava dias para ir embora, e alagava abundantemente o que não conhecia abundância. Do cantar do galo que a acordava assim que o sol nascia. E pela última vez lembrou da voz da mãe, agreste e rascante, chamando para o café e dizendo que a labuta já esperava quem ia labutar.

E subiu o mais alto que pode. Tão alto que teve a impressão que ouviu algo, além das nuvens, rasgar o céu.

A metrópole apressada e ardente, absorta em seus dilemas que alternam-se com a rapidez de um raio, só ouviu um breve impacto, seco e abafado, estalar no concreto cinza de onde nada brota, quiçá ilusões, angústias e a massa humana disforme que vertia sangue silencioso e ralo.

Um som surdo. Sem eco. Sem ampliação.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Intransitivos


As folhas caem...

As ondas estouram...

As marés sobem...


O Sol queima...

O sal arde...

O cimento estala...


As paixões arrefecem...

As rosas fenecem...

Os espinhos secam...


O deserto clama...

O silêncio urra...

A ventania varre...


Ao mãos deslizam...

Os olhos irradiam...

As bocas procuram...


E o amor permanece...

Persiste, perdura,


O amor permanece.


quarta-feira, 29 de julho de 2009

Climas de Helena


Vovó Helena,


Obrigado por cuidar de mim, me assumir, fazer tudo por mim desde que nasci.

Toda a tua dedicação, trabalho e amor não foram em vão.

Avante! Rumo à luz!

Segue teu caminho de progresso e evolução, rumo à perfeição, que é o destino de todos nós.

Paz!


Teu netinho, Fabinho.





Climas de Helena



Nos invernos, as colinas vestem-se de neve

E os lagos cristalizam-se em piso transparente

O vento sussurra seu som agudo e metálico

A brancura da imensidão se alastra até onde a vista alcança

O céu claro e alvo ilumina a paisagem gélida e glacial.


As sutilezas do outono levam à mansuetude

São os instantes de repouso, reflexão, serenidade

Espalham-se pelo ambiente

O ruído das folhas secas e amareladas caindo

As canções de avós embalando seus netinhos

O aroma envolvente das tortas quentes de amora

E enquanto contemplamos o horizonte

A maturidade rege sua sinfonia prateada.


Os ares amenos da primavera revitalizam os sonhos

Dão novo ânimo, novo impulso, ímpeto desbravador

A aprazível brisa matinal afaga todo o relevo

Os lagos escoam em azul luzente

Dançam as árvores, derramando seus frutos revigorantes

Voam os pássaros, em algum lugar, sobre o arco-íris.


Surge o verão, quando as matizes de azul, violeta e amarelo tornam-se imperceptíveis

E os dias prolongam-se, intimidando o tímido anoitecer

O sol reflete nas colinas verdejantes

Enquanto a relva que as recobre declama seu soneto

Declara seu amor em forma de soneto

Soneto leve como os raios de sol

Que desfazem-se ao solfejar do vento.


Nas estações de nossas vidas

Alternando geadas e o interminável céu azul, amadurecemos

Nas fases de nossas vidas

Entre renúncias e conquistas seguimos, dignamente, em frente

Nas constantes delicadezas de nossas vidas

Construímos afetos e ternuras que abrilhantam o infindo amar...

terça-feira, 7 de julho de 2009

Divagante


Deslizo...


Por entre o passado tão irreconhecível

Por entre o presente tão inexplicável


Flutuo...


Carregando o peso da montanha que quebro com minhas mãos

Em direção ao futuro sem garantias, sinais, deixas


Eu, difuso em mim


Em órbita


Ao léu

No silêncio, no vácuo, anônimo e sozinho, caminhando em minha rocha lunar


Sozinho.

Como um astronauta.


Sem o efeito do tempo

Sem o bailar do vento


Nadador do céu


Nadando nas estrelas.




terça-feira, 30 de junho de 2009

Mr. Flappers, the writter, strikes again!



“There some things in this life won´t be denied

Won´t be denied”




Pois é.

Muitas vezes as melhores citações vem de onde menos se espera.

Assim como as mais preciosas pérolas, as mais belas flores, os maiores amores.

Esta citação acima é de “Swear It Again”, canção do repertório da banda irlandesa Westlife.

Vi o vídeo algumas vezes no hoje extinto Disk MTV.

Canção bonitinha, simples e condizente com as canções bonitinhas, simples e condizentes com as pretensões de bandas como Westlife.

Mas estes versos ficaram na minha cabeça.

São sábios.


Desde que me lembro por gente, sempre gostei de uma caneta e papel na mão.

Já lia revistinhas desde muito cedo.

E antes dos dez, já lia o jornal todo, todos os suplementos.

E as revistas de adultos.

E um pouco depois, comecei a escrever.

Rascunhos, tímidos e desordenados, como faz uma criança, como faz um adolescente, como faz um iniciante.


Com o tempo, comecei a perceber que isso poderia render de fato e que se me dedicasse, poderia ser bom.


Aí...


Atalhos.

Mudanças.

Turbulências.

Tempo.


Não segui oficialmente nem academicamente a área.

Tolice plena.

Não que seja fundamental.

Mas ajudaria muito mais o processo todo.


E com o tempo, permaneceu.

É uma das coisas mais estáveis, leitura e escrita.

Sou um homem de coisas perenes, “que persistem, que perduram...”


Com o admirável mundo novo da Internet, isso se transformou, se reconfigurou, se potencializou.

Sempre fui muito perfeccionista.

Isso pode ser salutar, mas também paralisador.

Contudo, é uma necessidade, que por muitos fatores foi relegada a segundo plano, tratada com muito menos nobreza do que merece.


Há um mês um fato muito surpreendente, inesperado, inédito, raro, intenso e verdadeiro, inquestionavelmente verdadeiro, ocorreu.

Surgiu, quando menos esperava, quando nem desejava, quando não poderia imaginar.

E me trouxe de volta inspiração.

E me fez voltar a escrever, num hiato que – pasmo – percebo durou quase dois anos.


Este fato causou uma necessária pausa.

Uma pausa para reflexão, dessa vez para mim.


E muito mais, uma longa jornada Flapp adentro.

Profunda, difícil, muito além do fato surpreendente, inesperado, inédito, raro, intenso e verdadeiro, inquestionavelmente verdadeiro e seus desdobramentos ainda inconclusos.


Mas o processo é irreversível.

E fico feliz!

Pois muitas pessoas levam a vida inteira sem nem saber o que é isso.

Como é importante, como diria Mestre Camelo, ir além do que se vê.


“Há algumas coisas nessa vida que não serão negadas

Não serão negadas


Isso aqui ficará cada vez mais confessional.

Muito.

E um retorno sincero de todos que passarem por aqui é mais que importante; é fundamental.


Pois que é mais que um meio de arte, um laboratório de idéias, um exercício literário.

É vida vivida!


segunda-feira, 22 de junho de 2009

Criogenia




Este poema logo abaixo, "Criogenia", não foi escrito por mim.

Foi escrito por minha amada.

A pessoa que mais pode falar sobre mim.

A única pessoa que me conhece de verdade, por inteiro.

Minha amiga e companheira, minha parceira por quatro anos, meu grande encontro de vida.

Meu Grande Amor.

Hoje, o namoro acabou.

O romance acabou.

Mas não o amor.

Hoje, minha amiga, minha irmã.

Minha conselheira.

Te amo.

Sempre te amarei.

Estarei sempre contigo.


Ninim,

Obrigado por tudo.

Por cada segundo e por toda a eternidade.

Estarei sempre contigo.





Criogenia



Você segue ao longo do tempo que passa
Congelado
Dentro do seu peito
E assim aguarda.
O grande instante de sua vida:
Pisar o Sol;
Tornar-se guarda
De seu amor-perfeito.

Você permanece enquanto o vento passa
Animando
Seus cabelos pretos,
Assim parado.
Como fundo a praia morta,
Um céu de cinzas
De outro incêndio
Que não aquele que é o seu.

Em sua frente um grande nimbus explode, vertical.
Dentro de si tão violentamente...
Impondo sobre o azul e o azul cinza e caos.
Para o resto do mundo
Lenta e calmamente, surge e se desfaz.

Um curto-circuito, sinal vermelho, mais um basta.
Vira-se violentamente sem despedir-se do dia que dá adeus.
Uma chama se apaga, o peito se acende.
Tira força da raiva e toma o que é teu,
Tira força daquilo que tira o que é teu.
A rua se enche de carros, pessoas e sons, conversas, mentiras, buzinas...
E teu grito de mudança sai no mesmo instante
Que grita o apito do guarda da esquina.
Grita mais alto! Apita mais alto!
O Sol se esconde no escuro.
A luz se esconde no escuro.
A rua fica verde,
A vida segue seu fluxo.

(E guarda na memória de teu grande coração
Tudo o que aprendeu a sentir
E não se cala diante o silêncio do mundo
Às vezes com um grito abafado,
Outras vezes com um gemido profundo.)

domingo, 21 de junho de 2009

No Surprises



E então, o homem busca refúgio em um futuro seguro, em um mundo virtual e cibernético, onde os valores perdidos reinventam-se com códigos próprios. O futuro não é mais uma incógnita, já chegou e está ao alcance de nossa mão. Nossas inquietações é que não deixam de existir, pois continuamos humanos, demasiadamente humanos, embora funcionemos como máquinas programadas com chips. O cansaço chegou à estratosfera, o coração está devastado, as feridas ardem e não cicatrizaram. Pode imaginar um lugar agradável e familiar para viver. Em meio ao frenesi robótico e anestesiante, há uma necessidade de compreensão, de cuidados especiais.
Não mais as dúvidas e incertezas do início...
Não mais a paixão e o domínio dos sentimentos...
Não mais o medo e o fim da extinção...
O homem enfrenta aqui uma nova etapa, que é derivada de todas as anteriores. Renasce rapaginado, como se procurando o seu lugar, como que desconhecendo o território, que não é mais nenhum dos anteriores. Procura um lugar escuro e tranquilo para se refazer. Em meio a luzinhas, submerge em um mundo de vidro, seguro e artificial como um aquário. Só que não pode mais nadar no líquido amniótico... pois não pode mais voltar para o ventre materno. Dá uma pausa e toma um gole de ar, precisa respirar. E logo depois emerge, mas continua no escuro, de onde veio, anda procurando um lugar para chamar de seu.
Fecha o ciclo da vida. Que, paradoxal, não pode ser fechado, pois é infindo.
Só lhe resta seguir procurando.
E continuar.


domingo, 14 de junho de 2009

Vorazmente Sobre Mim



Arraste seus lábios por todo meu corpo
Sorva-me devagar, saboreie cada pedaço
Desloque meu queixo, deixe meu pescoço torto
Desabe em meu colo, construa meu abraço

Misture-se em mim
Misture-se em mim

Até que nosso cheiro entorpeça toda a cidade
Até que minha nuca perca a sensibilidade
Até que desafiemos a lei da gravidade

Até que nossos fluidos, fluentes como um rio
Formem uma poça viscosa no chão frio

Misture-se em mim
Misture-se em mim

Até que eu não tenha mais noção
De onde é meu começo e meu fim.


quarta-feira, 10 de junho de 2009

Unos, duos



... e ela foi-se de vez! Há dois verões desprendeu-se de tudo o que nos tornava indissolúveis e deixou-me vagando em um vácuo inexplicável. Claro que eu já tinha sido preparado; claro que ensaios aconteceram; sim! Não posso dizer que tenha sido pego de surpresa; havia um pressentimento inabalável de que tudo terminaria assim. Contudo, nunca estamos preparados para a hora decisiva; se possível, pretenderíamos prolongar ao máximo o ensaio que precede a ação. Reter o frescor dos melhores momentos, guardar o melhor para o fim e, num anseio supremo e desesperado, reverter o irreversível. Tudo em vão. O fim, quando tão claramente identificável, já chegou.

São sete e quinze da manhã e eu olho para o mar. O mar que divides comigo. O mar que já foi tão meu... Novamente meu mar! Meu novo mar. E amar. Deixo-me vagar, pela manhã, a jovem, junto a ti, ao cheiro do mar. Sinto a maresia acariciando o teu rosto inocente e ainda torpe pelo sono. O meu sono é irrelevante, perante esse testemunho matinal. Não creio que alguém possa começar o dia mais pleno de vida.

Essas duas histórias, tão díspares e tão próximas, pois que tratam do mesmo, pois que tratam de mim, alternam-se de forma precisa, cristalina, quase cruel. Pois é a sua imprevisibilidade, sem qualquer preparação, que torna tudo tão singular – e ainda incerto para mim.

Desde que ela fez-se memória banida (ilusão, já que ainda não foi-se de vez, e na verdade nunca irá; tudo que passa por mim fica; se foi forte o suficiente para me atingir, me cativar não será enfraquecido pelo tempo, pela distância ou por qualquer fato circunstancial e irrelevante) tenho idealizado, imaginado, procurado quem poderia se instaurar como razão de meus pensamentos... Até houve, no meio , hoje eu vejo que milimetricamente no meio exato, uma possibilidade. Hoje, em mais um dezembro, o primeiro do resto de todos que virão, vejo dois dos caminhos que norteiam a vida de um homem, o passado e o presente, chocarem-se, entrarem em leve atrito, num quase soltar de faíscas. E constato, mais uma vez, que os simbolismos nunca desistem de mim. Embora, dessa vez, tenham conseguido ir além... além mesmo do que eu costumo ir.

Mais uma vez o mar rege minha existência, marca o meu sentir com suas ondas ora revoltas, ora serenas... Esse ponto de equilíbrio que parece inatingível e ao mesmo tempo tão familiar revela-se exato no meio do oceano, na mais profunda solidão e paz que posso experimentar...

Agora... volto à minha infância! Vejo com exatidão, tão nítida que chego a sentir uma onda de eletricidade por todo o meu corpo. (Ela causava espasmos em mim quando precipitava-se sobre meu pescoço e sedenta por exercer seu domínio, explorava meus pontos fracos e tirava meus sentidos.) (Você, hoje, não precisa nem falar, nem se mover, nem cantar, nem sorrir, sequer me olhar fundo nos olhos com os que me hipnotizaram desde o primeiro momento – ainda que eu não tivesse plena consciência do que fosse aquilo, pois não poderia nomear o inominável - , basta estar para que uma corrente de energia percorra todo esse corpo que é refém de ti.) Chego a ficar comovido , tenho vontade de soltar um lamento, ao me imaginar com cerca de dez anos submerso no azul , ouvidos sob a água, mergulhado em um silêncio tão arrebatador que nada mais parecia existir, tudo estava concentrado ali, naquele instante; eu parecia de alguma forma desprender-me de mim mesmo e flutuar...

Portanto, sintomático que o mar seja algo mais a nos unir, que represente nosso repouso , nosso pouso de encontro... que determine o ritmo de nosso caminhar... Mas, poderia ser qualquer outro lugar, o primeiro ou o penúltimo andar... O mar... Minha casa, tua casa. Minha base, tua base. Tua sede, minha sede. Sede de liberdade, de plenitude entre os dois azuis...

Ela não vai mais voltar. Você , hoje, aqui está. Tenho medo de acordar. (Você sabe, tenho medo de acordar. Sabe como é, ser contemplado com tanto, sem esperar; ser correspondido, sem imaginar...) Mas, não devo me preocupar. Sei que não vou me afogar. (Ainda que um dia sem ti, ainda sem poder prever onde isso vai parar, o quanto vai durar, como vai terminar, onde vamos desaguar.) Pois tal qual peixinho desde cedo aprendi a nadar.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Identidade


Eu sempre soube muito bem quem sou
De onde vim, para onde vou
Sei que não estacionarei onde estou
Que não ficarei mais tempo assim
Que há muito mais destinado a mim.

Eu sempre prezei cada cicatriz
Cada tentativa em vão, cada respirar por um triz
Sempre soube que em cada incerta diretriz
Havia, implícito, um lampejo de superação
Havia, persistente, um amanhã em construção.

Ainda assim, foi torturante despencar do precipício
Mergulhar na meia-noite interminável
Não mais reconhecer meu próprio rosto
Perder o gosto, tornar-me fosco
Sentir nas entranhas o vazio inesgotável
Quase desejar ser fictício
Tornar-me um aposto, perder meu posto
Tatear no escuro, trôpego, em suplício
Tentar entender, pasmo, o inexplicável.

Porém, alguns insistem, nunca desistem
Pois que indômitos são seus sentimentos...
Pois que ávido é seu querer...

Percebo, então, que passaram dois Natais
Já é hora de recuperar o que foi perdido
Controlar o leme, ao vento me aprumar
Permitir que o novo sorria-me novamente.

E ele sorri
Inacreditavelmente, surpreendentemente
Simplesmente sorri.
E me ensina onde vou chegar
Torna meus devaneios plenos de sentido
Converte-me em abrigo, divide seu mar comigo
Instaura-se como minha prioridade, subverte os meus jamais.

E não foi preciso dizer o que eu nunca diria (Embora tantas vezes eu tenha dito)
Ou fazer entender o que nem eu sabia (E acho que ainda nem sei)
A própria vida encarrega-se, às vezes, de fazê-lo
Naturalmente, como um presente, com todo zêlo
Então, só me resta seguir, comovido e agraciado
Junto ao que me cativa, como encantado
Revigorado, purificado, triunfante
Pronto para ao lado,
Do que mais amo, ir adiante.