quarta-feira, 10 de junho de 2009

Unos, duos



... e ela foi-se de vez! Há dois verões desprendeu-se de tudo o que nos tornava indissolúveis e deixou-me vagando em um vácuo inexplicável. Claro que eu já tinha sido preparado; claro que ensaios aconteceram; sim! Não posso dizer que tenha sido pego de surpresa; havia um pressentimento inabalável de que tudo terminaria assim. Contudo, nunca estamos preparados para a hora decisiva; se possível, pretenderíamos prolongar ao máximo o ensaio que precede a ação. Reter o frescor dos melhores momentos, guardar o melhor para o fim e, num anseio supremo e desesperado, reverter o irreversível. Tudo em vão. O fim, quando tão claramente identificável, já chegou.

São sete e quinze da manhã e eu olho para o mar. O mar que divides comigo. O mar que já foi tão meu... Novamente meu mar! Meu novo mar. E amar. Deixo-me vagar, pela manhã, a jovem, junto a ti, ao cheiro do mar. Sinto a maresia acariciando o teu rosto inocente e ainda torpe pelo sono. O meu sono é irrelevante, perante esse testemunho matinal. Não creio que alguém possa começar o dia mais pleno de vida.

Essas duas histórias, tão díspares e tão próximas, pois que tratam do mesmo, pois que tratam de mim, alternam-se de forma precisa, cristalina, quase cruel. Pois é a sua imprevisibilidade, sem qualquer preparação, que torna tudo tão singular – e ainda incerto para mim.

Desde que ela fez-se memória banida (ilusão, já que ainda não foi-se de vez, e na verdade nunca irá; tudo que passa por mim fica; se foi forte o suficiente para me atingir, me cativar não será enfraquecido pelo tempo, pela distância ou por qualquer fato circunstancial e irrelevante) tenho idealizado, imaginado, procurado quem poderia se instaurar como razão de meus pensamentos... Até houve, no meio , hoje eu vejo que milimetricamente no meio exato, uma possibilidade. Hoje, em mais um dezembro, o primeiro do resto de todos que virão, vejo dois dos caminhos que norteiam a vida de um homem, o passado e o presente, chocarem-se, entrarem em leve atrito, num quase soltar de faíscas. E constato, mais uma vez, que os simbolismos nunca desistem de mim. Embora, dessa vez, tenham conseguido ir além... além mesmo do que eu costumo ir.

Mais uma vez o mar rege minha existência, marca o meu sentir com suas ondas ora revoltas, ora serenas... Esse ponto de equilíbrio que parece inatingível e ao mesmo tempo tão familiar revela-se exato no meio do oceano, na mais profunda solidão e paz que posso experimentar...

Agora... volto à minha infância! Vejo com exatidão, tão nítida que chego a sentir uma onda de eletricidade por todo o meu corpo. (Ela causava espasmos em mim quando precipitava-se sobre meu pescoço e sedenta por exercer seu domínio, explorava meus pontos fracos e tirava meus sentidos.) (Você, hoje, não precisa nem falar, nem se mover, nem cantar, nem sorrir, sequer me olhar fundo nos olhos com os que me hipnotizaram desde o primeiro momento – ainda que eu não tivesse plena consciência do que fosse aquilo, pois não poderia nomear o inominável - , basta estar para que uma corrente de energia percorra todo esse corpo que é refém de ti.) Chego a ficar comovido , tenho vontade de soltar um lamento, ao me imaginar com cerca de dez anos submerso no azul , ouvidos sob a água, mergulhado em um silêncio tão arrebatador que nada mais parecia existir, tudo estava concentrado ali, naquele instante; eu parecia de alguma forma desprender-me de mim mesmo e flutuar...

Portanto, sintomático que o mar seja algo mais a nos unir, que represente nosso repouso , nosso pouso de encontro... que determine o ritmo de nosso caminhar... Mas, poderia ser qualquer outro lugar, o primeiro ou o penúltimo andar... O mar... Minha casa, tua casa. Minha base, tua base. Tua sede, minha sede. Sede de liberdade, de plenitude entre os dois azuis...

Ela não vai mais voltar. Você , hoje, aqui está. Tenho medo de acordar. (Você sabe, tenho medo de acordar. Sabe como é, ser contemplado com tanto, sem esperar; ser correspondido, sem imaginar...) Mas, não devo me preocupar. Sei que não vou me afogar. (Ainda que um dia sem ti, ainda sem poder prever onde isso vai parar, o quanto vai durar, como vai terminar, onde vamos desaguar.) Pois tal qual peixinho desde cedo aprendi a nadar.

2 comentários:

  1. Eu acho esse seu texto simplesmente belo. Vem de dentro, envolve, comove...

    Kiara

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  2. Magnífico! Vc possui o dom de escrever com a verdade do coração.... coisa q é muito rara hoje em dia! A maioria das pessoas fala e escreve pensando no resultado q vai dar, ou seja, programam os sentimentos, e isso não é pureza. Senti no fundo do coração, cada frase lida como se fosse meu este texto, este desabafo... Admiro muito pessoas q possuem esta sensibilidade q vc possui, até porque, pessoas assim, ou melhor, espiritos assim, são muito raros hoje em dia...!
    Keko....

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